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Morre aos 82 anos H. Rap Brown, ícone da luta por direitos civis e voz histórica do movimento Black Power
Ex-líder dos Panteras Negras, Brown, também conhecido como Jamil Al-Amin, marcou gerações com sua oratória combativa e sua resistência política
H. Rap Brown, um dos nomes mais emblemáticos e controversos da luta por direitos civis nos Estados Unidos, morreu aos 82 anos em um hospital penitenciário federal na Carolina do Norte. Militante, intelectual, líder comunitário e alvo constante da repressão estatal, Brown atravessou mais de seis décadas como símbolo da resistência negra, do enfrentamento direto ao racismo nos anos 1960 à atuação espiritual e comunitária após sua conversão ao islã.
Nascido Hubert Gerold Brown, ele ganhou projeção nacional ao assumir, ainda jovem, a presidência do SNCC (Student Nonviolent Coordinating Committee), uma das organizações mais importantes das marchas, campanhas de alfabetização e enfrentamento ao apartheid racial no sul dos EUA. Conhecido pela oratória afiada e politicamente incendiária, foi autor de uma das frases mais marcantes do movimento Black Power: “Violence is as American as cherry pie.”
A sentença se tornou síntese da crítica direta ao Estado que, ao mesmo tempo em que condenava protestos negros, legitimava séculos de violência institucional.
Sua atuação o levou a integrar, por breve período, a direção dos Panteras Negras, ocupando o cargo de “ministro da Justiça” da organização. Brown era visto como uma das vozes mais contundentes contra o racismo sistêmico, a brutalidade policial e as políticas de vigilância que visavam criminalizar líderes negros. Como revelaram documentos posteriores, ele estava no centro da lista de perseguição do FBI, especialmente durante a era COINTELPRO, programa responsável por desmontar movimentos antirracistas e organizações de esquerda nos EUA.
Da militância radical à liderança espiritual
Após cumprir pena por assalto nos anos 1970, Brown passou por uma profunda transformação pessoal. Converteu-se ao islamismo, adotou o nome Jamil Abdullah Al-Amin e se estabeleceu em Atlanta, onde se tornou imam. Ali, liderou uma comunidade negra com foco em disciplina, valores morais, educação e reconstrução social.
Para muitos moradores, Al-Amin representava um tipo raro de liderança: alguém que conhecia a política por dentro, entendia a violência racial por experiência própria e dedicava seus anos maduros a orientar famílias, jovens e empreendedores locais.
Condenação contestada e vida na prisão
Em 2002, Al-Amin foi condenado à prisão perpétua pela morte de um oficial do condado de Fulton, na Geórgia, caso que ele sempre negou. Desde então, ativistas, organizações de direitos civis e estudiosos do movimento negro insistem que o processo teve falhas profundas, incluindo supostas irregularidades, testemunhos conflitantes e indícios de motivação política.
Mesmo encarcerado, sua figura continuou reverberando. Al-Amin se tornou referência para comunidades muçulmanas norte-americanas, estudiosos do Black Power e ativistas que enxergam em sua trajetória o retrato de uma geração que pagou caro por desafiar o Estado norte-americano.
H. Rap Brown faleceu após complicações de saúde, incluindo um quadro de câncer, em um hospital penitenciário federal. Sua morte encerra um ciclo, mas não apaga o impacto de sua existência, desde a radicalidade que sacudiu os anos 60 até a serenidade espiritual que marcou sua fase como imam.




